"Quem já descobriu a Cristo deve levar Ele aos outros. Esta alegria não se pode conter em si mesmo. Deve ser compartilhada." (Papa Bento XVI)

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Pai e mãe acolhedores no amor

setembro 5th, 2009

Mons. Bruno Forte, Teólogo – Segunda reflexão sobre a procura do homem pelo pai, ou seja, o êxodo do homem para Deus.

“Se no fundo do coração, todos somos habitados pela angústia do desafio supremo da morte, se isso nos faz pensativos, se a vida se torna uma luta para vencer a morte, então a imagem do pai é uma imagem da qual todos temos necessidade infinita”.

Não podemos então deixar de perguntar-nos: se isso é verdade, por que em tantos se forma uma recusa, até mesmo visceral da figura paterna? Por que mais cedo ou mais tarde na vida todos vivemos um momento de contestação da imagem do pai-mãe no amor? Procuremos compreender essa contradição entre a necessidade de um acolhimento que vença a angústia e ao mesmo tempo a recusa dele, lendo um texto que tiro da famosíssima carta ao pai de Franz Kafka, um dos grandes testemunhos da inquietação do nosso tempo. Escrevendo ao próprio pai, Kafka diz assim: “a sensação de nulidade, que frequentemente me domina, tem origem em grande parte pela tua influência. Eu podia saborear, quando tu nos davas só a preço de vergonha, esforço, fraqueza, sentimento de culpa, enfim podia estar-te agradecido como o está um mendigo, não com os fatos. O primeiro resultado visível dessa educação foi aquele de fazer-me fugir quanto antes, mesmo que distantemente, me lembrasse de ti”.

Quantas vezes a recusa do pai nasce da necessidade de se libertar de uma dependência! Quantas vezes a paternidade, que estamos todos chamados a exercitar como paternidade-maternidade, se transforma em possessividade, escravatura, domínio! Eis, pois, que se perfila a imagem dramática do assassínio do pai! Na realidade, uma das causas profundas da angústia que existe no coração humano é que – se todos queremos vencer a morte – temos todos a necessidade de um pai-mãe no amor, que nos acolha, e para o qual todos, de um modo ou de outro, vivemos ou estamos vivendo momentos de rejeição por medo de que nos sufoque. O assassínio do pai é uma espécie de assassínio ritual, de gesto para afirmar a nossa independência, a nossa autonomia. E então estamos todos destinados a uma infinita orfandade, consequentemente a uma nostalgia pelo pai e pela mãe acolhedores no amor, e contudo fugimos dela, para sermos livres e independentes como o filho pródigo, que decide ficar com todos os seus bens para se poder gerir por si na vida.

Eis a grande questão: temos necessidade de alguém, que nos revele o rosto de um pai-mãe no amor que, não crie dependência, que não nos faça escravos. Um pai-mãe, que nos ame tornando-nos homens livres, mulheres livres. Um pai-mãe, que não seja o concorrente da nossa liberdade mas o fundamento desta, a garantia última da verdade e da paz no nosso coração, que ao mesmo tempo cure a angústia com o remédio do amor, mas cure também aquele medo de perder a liberdade fazendo-nos sentir amados na liberdade, que não escraviza, que não cria dependências. Tal é a expectativa do Pai no coração do homem…

Fonte: Teo Comuicação, Revista de Teologia. PUC RS, Porto Alegre – v. 33 – n. 142 – Dezembro 2003 – p. 713-976.

Publicado no Blog Shalom Antonio Marcos

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